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Em um mundo cada vez mais conectado, os funcionários continuam sendo a imagem e a marca da empresa, que evolui por meio da execução de serviços de qualidade realizados por pessoas. Com tanta mobilidade e tecnologia, ser uma grande companhia tem suas virtudes competitivas. O perigo é que quanto maior for o empreendimento, mais impessoal ele se torna.

Em resposta ao enorme crescimento do setor de serviços em todas as grandes economias mundiais, o marketing aplicado a esse tipo de atividade tem se desenvolvido rapidamente. Muitas produtoras de bens tangíveis se esmeram na prestação de serviços de qualidade, como forma de oferecer algum componente que as diferencie da concorrência.


No entanto, como os serviços têm a característica da intangibilidade (não podem ser tocados, não tem cheiro nem peso físico), torna-se cada vez mais complexo tangibilizar algo que é mais perceptível ao cliente. Em paralelo, as tecnologias proporcionadas pela internet alteram o serviço prestado ao cliente de forma irreversível tanto nas operações de compras quanto na condução dos negócios.

Inicio este artigo com um caso real, made in Brazil, em que a participação de pessoas na linha de frente, em contato direto com o cliente, pode fazer a diferença. E é esse contato que talvez nunca será substituído por tecnologias Wi-Fi.

Vamos ao case. Durante o almoço, no intervalo de um treinamento para funcionários de uma grande empresa, realizado num hotel da cidade de São Paulo, uma participante do programa de trainee, diante do prato que lhe foi serviço, separa discretamente as fatias de frango e pedacinhos de presunto. Por ser vegetariana, ela come apenas as folhas verdes, os tomates e outros vegetais da bela salada. Os colegas, conhecendo seu hábito, não estranham tal comportamento. Tudo normal até aí, se no almoço do dia seguinte, no mesmo hotel, ela não tivesse recebido o seguinte aviso, escrito em itálico num papel timbrado, decorado com um lindo desenho no cantinho da folha, posicionando bem ao lado do seu prato:

“Srta. Luísa,
ao sabermos que é vegetariana, preparamos um lanche especialmente.”
– Assinado Daniel / Eventos

Luísa, ao ler o aviso – seu nome escrito certinho, com “s”e acento agudo no “i” -, ficou encantada com a atenção do hotel. Tão logo degustou a caprichada salada, perguntou pelo Daniel, que assinara o recado. Quem seria aquele discreto funcionário que prestou atenção na sua refeição do dia anterior e que, certamente, fanático em agradar os clientes, procurou surpreendê-la no dia seguinte?

Esse gesto, aparentemente simples, demonstrou a existência de processos de atendimento e preparo do funcionário, em atender ao cliente na dose certa, dentro dos padrões adequados, no momento exato em que aquele ato pudesse atingir o objetivo: atender às expectativas do cliente de forma surpreendente.

Funcionários “fanáticos” em atender clientes com qualidade não medem esforços para atingir a “surpreendência”, como costumamos dizer no setor. Provavelmente, o Daniel deve ter por hábito observar atentamente os hóspedes para avaliar a melhor forma de surpreendê-los.

Gestores no comando de empresas de serviços sentem na pele o quanto é importante ter em suas equipes funcionários com esse fanatismo, que trabalham nas fronteiras operacionais, como o Daniel. No marketing de serviços, esse tipo de profissionais, que atua na linha de frente, é chamado de solucionador de problemas, segundo Valerie A. Zeithaml e Mary Jô Bitner, autoras do livro Marketing de serviços: a empresa com foco no cliente (Editora Bookman, 2003). Esses funcionários formam o elo entre o cliente externo, o ambiente em que o serviço é prestado e as operações internas da empresa. Detectam, compreendem, filtram e agem na intenção de atender demandas específicas na linha de frente, no contato direto com os clientes. São bem remunerados e com boa formação educacional. Desempenham papéis que exigem certas habilidades, que vão muito além de cordialidade e do sorriso no rosto. Eles são capacitados para lidar com conflitos interpessoais, estresse, produtividade e baixa resiliência.

Todo problema tem solução!

Do ponto de vista da organização, a estratégia de contar com solucionadores de problemas inclui criteriosa seleção de pessoas que reúnam tais habilidades. Nos processos de seleção, os candidatos às vagas são submetidos a situações que provavelmente enfrentarão no dia a dia com os clientes. Dependendo de como se comportam em situações simuladas e como demonstram inclinação para serviços, seguem adiante nas fases seguintes de seleção e recrutamento.

Gente: a força motriz de qualquer empresa prestadora de serviço!

Empresas evoluem por meio de execução de serviços de qualidade realizados por pessoas que são a sua força motriz. Por isso, devem ser direcionadas, treinadas e acompanhadas até adquirir autonomia e o poder de decidir acerca dos pedidos dos clientes e recuperar o serviço quando algo sair errado. As companhias conseguem acumular um estoque de casos que surpreenderam clientes favoravelmente recomendam: “Trate os funcionários como clientes!”. Simples assim.

A aplicação de pesquisas periódicas de endomarketing nas empresas de serviços é um bom instrumento para avaliar a satisfação e as exigências de seus colaboradores. Ao medir a motivação, elas descobriram que garantir a produtividade e a retenção de funcionários requer certo grau de envolvimento em suas vidas particulares no apoio às suas famílias. Forma-se assim uma cultura organizacional forte, com uma visão holística, voltada aos serviços de excelente qualidade aos clientes internos e externos e que seja vista como uma das normas mais importantes da empresa, equivalente a um modo natural de vida.

A cultura organizacional é o sistema de convicções tácitas e valores compartilhados pelos membros de determinada empresa que a diferencia das demais, com caráter e sentimentos únicos, segundo Edgar Schein, autor do livro Cultura organizacional e liderança (Editora Atlas, 2009). “Cultura é a aprendizagem acumulada e compartilhada por determinado grupo, cobrindo os elementos comportamentais, emocionais e cognitivos do funcionamento psicológico de seus membros”, afirma o teórico americano, responsável pela criação desse conceito. Quando os funcionários se identificam com as crenças e os valores da empresa em que trabalham, ficam menos predispostos a deixá-la e, como consequência natural, trabalham com mais energia, resultando em maior satisfação dos clientes com o serviço recebido.” Para grupos e organizações, essa cultura representa o mesmo que caráter para indivíduos”, resume Schein.

No livro Fundamentos do comportamento organizacional (Editora Pearson, 2009), Stephen P. Robbins detalha essa tese: “O comportamento dos funcionários em uma organização é profundamente influenciado pela cultura da organização ou pelas normas e valores adotados e que moldam o comportamento individual e coletivo”.

Normas e valores voltados aos serviços de qualidade são expressos no atendimento com excelência, tanto aos clientes internos quanto externos, influenciando positivamente a lucratividade do negócio.

O exemplo vem de cima, ou seja, de uma liderança orientada para serviços. “A alta direção deve mostrar o apoio, ser inspiradora e estar afinada com os indivíduos que gerencia”, observa Christian Grõnroos, em Marketing: gerenciamento e serviços (Editora Campus, 2009). “Cabe aos líderes estabelecerem o que deve ser feito, para quem, como e com que recursos e quais benefícios”, explica o autor. Quando os gestores praticam esses valores com naturalidade, fica muito mais fácil aos funcionários adotarem tais procedimentos, como ideias de vida dentro da corporação.

Uma maneira de os gestores construírem e conservarem a cultura organizacional apta a captar as necessidades de trabalhar com foco em serviços é realizar com frequência e metodologia reuniões de brainstorming envolvendo a equipe de funcionários da linha de frente e dos bastidores. As reuniões seguem um roteiro específico, com o objetivo de melhorar e corrigir atendimentos que geram insatisfação, retrabalhos ou desperdício de tempo. Ações específicas, de preferência customizadas, são combinadas entre os membros da equipe, para que possam ser padrões de atendimento.

Embora a prática do brainstorming não seja recente, vem lá das ferramentas da qualidade total criadas por Edward Deming, autor do famoso Ciclo de Deming (ou PDCA – Plan, Do, Check, Action) – uma das primeiras ferramentas de gestão da qualidade. Após a Segunda Guerra Mundial, esta ferramenta tem se mostrado extremamente útil na melhoria dos processos das empresas de serviços. Todas as dimensões da qualidade, mesmo em empresas que se consolidaram como excelentes em serviços e foco no cliente, recorrem às reuniões de brainstorming para consolidar e lapidar os inúmeros detalhes que compõem um serviço cujo foco é a excelência. Entre os pontos estão: confiabilidade, responsividade, segurança, empatia e tangibilidade.

A excelência em serviços deve ser vista como um horizonte, visualizado ao longe como uma meta que se almeja frenética e incansavelmente. Há 30 anos, a frase atribuída a Jan Carlzon, autor da famosa obra A hora da verdade (Editora Sextante, 1980), permanece atual: “Em uma empresa prestadora de serviços, se você não está atendendo ao cliente, é melhor você atender quem o esteja”. Em outras palavras, os funcionários de serviços são o serviço, são os olhos do cliente e detêm enorme poder na geração de uma marca.

Mas atenção, pois um bom conceito de marca de serviço poderá ser destruído por um processo de serviço que funcione mal. A marca (branding), forte em serviços, segundo Leonard Berry, permite aos clientes enxergar e entender melhor os produtos intangíveis. E, por sua vez, o serviço de marca deve garantir e reduzir os riscos de que a promessa da prestação de serviço não será cumprida. A marca catalisa a credibilidade do cliente que, quando sustentada ao longo do tempo, se transformará em confiança.

O processo de entrega de serviço não contribuirá para o surgimento de uma marca forte se a identidade de marca visada pela empresa estiver em conflito com a sua cultura organizacional.

Para que as empresas de serviços alcancem o sucesso, vale apostar na pessoalidade dos serviços, na customização que só as empresas pequenas, focadas no atendimento rápido, fluente e personalizado, conseguem realizar. Com tanta mobilidade e serviços Wi-Fi, ser uma grande empresa tem suas virtudes competitivas. O perigo é que quando maior for o empreendimento, mais impessoal ele se torna.

Leonard Berry, especialista no assunto, alerta: “Prestadoras de serviços devem agir como empresas de pequeno porte, independentemente do seu porte, o que significa construir relacionamento baseados em confiança. Valores, liderança, estrutura e tecnologia fomentam as atitudes de propriedade por parte dos funcionários”.

Quando empresas de serviços prestam serviços demonstrando que as pessoas são peças-chave do produto final, agir como um negócio de pequeno porte é, na sua verdade, exercer o papel de uma grande organização, que tem o quesito “excelência” cada vez mais focado no intangível dos serviços, ou seja, naquilo que provoca sensações e emoções.

Revista da ESPM, páginas 107 – 109. Ano 19. Edição 90. Setembro/outubro de 2013.

Gilberto Cavicchioli
Por Gilberto Cavicchioli

Consultor de empresas, professor em pós-graduação e MBA em grandes Escolas de Negócios do Brasil.
Dirige a empresa Cavicchioli Treinamentos cavicchiolitreinamentos.com.br