Trecho do livro O Efeito Jabuticaba

Excelência no Atendimento, Livros

O Efeito Jabuticaba
Trecho do capítulo “Waltão o Metalúrgico”
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“Sempre acreditei que deve haver uma maneira das pessoas não deixarem o coração fora da empresa quando batem o cartão de ponto e entram apenas com os braços. Tínhamos conquistado um ambiente de trabalho em que as pessoas entravam para trabalhar com seus braços, mentes e, muito bem-vindos, seus corações.

Algumas semanas se passaram, eu cheguei cedo à empresa e, antes de subir para minha sala, tinha o costume de passar pela produção para “esquentar o dia”. Cumprimentava as pessoas, circulava para sentir as vibrações da turma, checar o estoque de materiais, o clima organizacional.

Waltão, meio tímido, me chamou para perto do seu torno Romi. Desligou o motor. Olhou-me, meio encabulado, limpou as mãos numa estopa, abriu o armário de aço onde guardava seus pertences e me esticou uma revista. Era a edição daquele mês da Quatro Rodas. Novinha. Ainda embalada no plástico. Com o nome e o endereço dele na etiqueta auto-adesiva.

– Recebi ontem esse número e nem abri ainda. Tá com aquele cheirinho de novo de que eu te falei. Como o senhor disse que também gosta muito de carro, trouxe a revista desse mês para o senhor ler. Fica à vontade, não tem pressa. Espero que o senhor goste. Mas, olha? Me devolve depois, tá? O senhor sabe, eu sou colecionador.

São incríveis os valores que são revelados com atitudes simples. Sinceridade, solidariedade, cumplicidade, cordialidade, atenção. Ações que considero fundamentais nas relações de trabalho; e que precisam existir na prática, não apenas nas cartas de valores das empresas.

Peguei a revista emocionado, mal sabendo como agradecer. Waltão tinha no rosto um sorriso, grandes dentes à mostra, que não era em nada, o sorriso de uma pessoa introvertida.

Acredito que todos trabalhamos melhor quando, além das habilidades técnicas, o saber fazer, conseguimos revelar nossas habilidades comportamentais, por meio de conjuntos de atitudes relevantes, nobres, que diferenciam as relações triviais das relações nutritivas.

Em dezembro daquele ano, Waltão realizou seu sonho. Comprou seu primeiro carro. Uma perua VW Parati vinho, em excelente estado. Os anos passaram, a economia estabilizou. Com a modernização de alguns processos internos, introduzimos máquinas automáticas com controle numérico. Oferecemos a primeira máquina para o Waltão, como uma forma de reconhecer seu empenho, sua dedicação. Para nossa surpresa, ele recusou nosso convite dizendo que gostava do velho torno Romi, que estava feliz daquele jeito. Acredito que ele não desejava abrir mão da sua própria superação. De ser sempre o “Zero, Zero”. Assim, novos funcionários foram entrando na equipe, mais jovens com seus vinte e poucos anos, um novo ciclo se iniciou. O “Conversa ao Pé da Máquina” acabou extinto. As nossas técnicas de relacionamento com a equipe tiveram de se adaptar aos novos tempos. Mas, mesmo com a automação, com os novos rostos e o sangue fresco correndo, Waltão e eu sabíamos que havíamos conquistado aquele patamar. Identificamos a causa e experimentamos o Efeito. Gosto sempre de imaginá-lo, dirigindo sua Parati vinho, feliz, sorriso aberto, com a esposa e os filhos para tomar sorvete numa tarde de domingo.”

Gilberto Cavicchioli
Por Gilberto Cavicchioli

Consultor de empresas, professor em pós-graduação e MBA em grandes Escolas de Negócios do Brasil.
Dirige a empresa Cavicchioli Treinamentos cavicchiolitreinamentos.com.br