Os ciclos de evolução tecnológica são cada vez mais curtos e mais impactantes sobre a atividade humana, seja no aspecto econômico, cultural ou social. A máquina a vapor, inventada em 1784, a divisão do trabalho e a produção em massa, aplicados a partir de 1870, e a chamada terceira revolução industrial, com a adoção do trabalho autômato, desde 1969, são exemplos de momentos de inovação que produziram mudanças profundas na história da humanidade.
Cada um desses ciclos, com duração cada vez menor e, em contrapartida, com maiores consequências sobre a organização social, catalisou ondas de inovação e criou oportunidades ao mesmo tempo em que produziu rupturas em estruturas consolidadas. No momento, vivemos a chamada revolução 4.0, cujo foco de atenções é a evolução da inteligência artificial (IA).
Para lembrar um momento marcante nos primórdios desse processo – curiosamente próximos na medida de tempo convencional –, cabe falar sobre um episódio relevante do embate entre homem e máquina que muito evoluiria a partir de 1996, quando se enfrentaram, de um lado do tabuleiro de xadrez, o mestre soviético Garry Kasparov e, do outro, um desafiante pouco convencional: uma máquina, um computador produzido pela empresa americana IBM, batizado de Deep Blue (azul profundo). Depois de algumas controvérsias, acordou-se que a máquina venceu Kasparov. Mas a história dessa vitória é fascinante e de leitura altamente recomendável, ainda que não seja este o espaço adequado para os detalhes.
O que conta para esta análise, a partir desse marco da relação entre humanos e inteligência artificial, é a ampliação dessa convivência. No ambiente das empresas as interações entre homem e máquina tornaram-se frequentes com o surgimento de novas aplicações e com a construção de uma realidade automatizada em que muitos entre os mais jovens nem mesmo são capazes de imaginar o mundo funcionando sem o auxílio de computadores. Máquinas programáveis e robôs são os protagonistas da chamada internet das coisas, esse cenário em que sua geladeira pode tomar decisões mais inteligentes que as suas sobre o provisionamento doméstico e um software no celular determina com precisão como carregar um caminhão que deverá fazer várias paradas num percurso de entregas.
Não por acaso, como em todo momento de efervescência de alteração de processos tecnológicos, essas novidades vêm “conquistando” cada vez mais postos de trabalho, substituindo a falível ação humana em atividades nas quais precisão é mais relevante do que atitude diante de incertezas.
Uma pesquisa realizada em 2017 no Reino Unido revela que mais de 20% dos empregadores nas áreas de finanças, contabilidade, transporte e distribuição esperam que algo em torno de um terço dos postos de trabalho estarão automatizados até 2027.
Diversos ramos da economia realizam um tipo de atividade que é exemplo do avanço de processos informatizados, seja na expedição de documentos, na sua validação e mesmo na gestão de rotinas e de arquivos – todas situações em que a máquina pode substituir com vantagem o trabalho das pessoas.
Também o atendimento ao cliente, em boa parte das empresas, constitui caso exemplar, mesmo quando se sabe que as máquinas têm ainda baixíssima capacidade de interpretação das reações humanas, o que pode causar, nos incontáveis momentos que fogem aos padrões, situações em que o cliente se sente mais desatendido do que antes de fazer o contato com o operador robótico.
Mas, como a tecnologia não anda para trás, pode-se apostar que o aperfeiçoamento será rápido o suficiente para compensar as desvantagens momentâneas – e principalmente se pode afirmar que a disputa envolvendo robôs e pessoas no desempenho dentro do ambiente de trabalho vai acirrar-se e, como tudo na vida, trará à tona cada vez mais aspectos negativos e positivos, erros e acertos, crises e oportunidades.
A mais evidente dessas oportunidades é o mero fato de que a automação exige, para prosperar, cada vez mais pessoas, seres humanos, gente de verdade adquirindo conhecimento tecnológico e aplicando-o nos processos construtivos e no desenvolvimento de softwares. Mas há outras, decorrentes da própria libertação do indivíduo dos trabalhos repetitivos, desgastantes e frustrantes.
Voltando ao caso dos incontáveis ramos econômicos que podem se beneficiar da automação, vale ressaltar que a adoção de processos automáticos liberta as pessoas envolvidas nesse trabalho para dar ainda mais atenção às questões relacionadas à interpretação, à utilização do bom senso e à adequação de casos ímpares aos aspectos formais da atividade, coisas que os robôs estão ainda longe de realizar. Por mais que as máquinas já sejam usadas no aperfeiçoamento de si mesmas, não há, fora do cenário de ficção científica, a possibilidade de que tomem decisões diferentes das previstas em programação – justamente o ponto em que a inteligência humana faz a diferença.
Imaginação, criatividade, capacidade de improviso, perseverança, senso ético, determinação, solidariedade são termos inaplicáveis ao mundo dos algoritmos e aos computadores. Aperfeiçoar essas características e aplicá-las cada vez mais intensamente no ambiente de trabalho, na relação com os clientes, para fazer diferença quando todas as alternativas parecem iguais, são também relevantes oportunidades do novo mundo.
Ninguém pode com certeza prever como será a vida depois de superada essa fase do conflito, este momento em que aparelhos passam a realizar tarefas antes reservadas aos trabalhadores. Mas a experiência histórica dá segurança para afirmar que pode haver mais conforto e qualidade de vida no futuro. Os condutores de carruagem, ferradores de cavalos e mecânicos de carroças, ao verem os trens extinguirem boa parte de suas atividades, não eram capazes de imaginar que seus netos teriam empregos menos desgastantes na indústria, seus bisnetos nos setores financeiro e de serviços.
Nestes novos tempos, também com o aperfeiçoamento legislativo sobre a aplicação das máquinas, já que é preciso garantir que a responsabilidade pelo que elas fazem seja claramente identificada e atribuível aos humanos que as constroem e as fazem funcionar, a base de valor da construção do futuro continua imutável e centrada nas relações humanas. Das máquinas só se pode querer e esperar que venham permitir que essas relações melhorem cada vez mais. Afinal de contas, o melhor amigo do homem ainda deve ser o homem e não a máquina.
Ficamos por aqui. Até nosso próximo encontro!
Um abraço,
Publicado originalmente no Jornal do Notário
– Ano XX, ed. 184 – MARÇO/ABRIL 2018
Por Gilberto Cavicchioli
É professor de pós-graduação em cursos de Gestão de Negócios, consultor e gestor da empresa Cavicchioli Treinamentos. Realiza cursos e palestras técnicas sobre gestão de pessoas em cartórios extrajudiciais. Autor dos livros O Efeito Jabuticaba, na 4ª edição e Cartórios e Gestão de Pessoas: um desafio autenticado, na 2ª edição. Conheça nosso material sobre gestão em: cavicchiolitreinamentos.com.br