Aquela velha e conhecida frase “o cliente tem sempre razão” foi atribuída ao britânico Harry G. Selfridge, proprietário há mais de 100 anos de uma loja de departamentos que na época estabeleceu novos padrões no atendimento de clientes.
Será que essa frase tem a mesma validade nos dias de hoje? Sim, tem, no entanto, certamente com algumas considerações, como as que relacionamos ao caro leitor logo a seguir.
O marketing tradicional evoluiu para o marketing digital, definido por Philip Kotler como Marketing 4.0, em que máquinas e humanos interagem no atendimento das necessidades e experiências dos clientes, tanto nos canais tradicionais, presenciais, quanto nos canais digitais, online.
Nesse cenário 4.0 – todo interligado –, o cliente se tornou omnichannel. “Omni”, do latim, significa tudo e “channel”, palavra inglesa, quer dizer canal. O cliente omnichannel, ou multicanal, utiliza hoje vários meios de compra para ter suas necessidades e expectativas atendidas.
No atendimento aos usuários do cartório extrajudicial não tem sido diferente. Na atualidade, principalmente aqueles que recebem a definição de geração Y –, dado aos jovens nascidos ente 1980 e 1990. Esse pessoal é exigente na qualidade de todos os canais de atendimento, presencial ou virtual. Nessa variedade de canais de atendimento e de comportamentos de usuários, existem perfis de clientes que as equipes de atendimento precisam aprender a lidar.
O perfil dos clientes inoportunos
Os cartórios extrajudiciais recebem clientes de todo tipo em seus balcões, no telefone e em seus sites.
Desde os usuários educados, cordiais, que entendem as particularidades e complexidades de certos atos notariais e registrais até aqueles que, de certa forma, podem tornar-se inoportunos, passando dos limites.
Há vários estudos sobre tais comportamentos. Apresento uma relação de alguns perfis de clientes, inoportunos ou abusivos, e como atendê-los. Certamente, as equipes de atendimento deverão estar preparadas para as situações delicadas e até “calorosas” que poderão enfrentar no cotidiano do cartório.
- O infrator de regras
As regras legais impostas por órgãos governamentais por razões de segurança e saúde precisam ser impostas. Educação de clientes e avisos ao público reduz a necessidade de tomar medidas corretivas diante desse potencial infrator. O pessoal de atendimento deve ser treinado para situações diante desse cliente, pois é sempre melhor prevenir do que remediar.
- O encrenqueiro
O pessoal de atendimento muitas vezes é ofendido, mesmo quando não lhe cabe a culpa. As empresas investem em esforços para desenvolver habilidades no trato dessas situações difíceis para o colaborador desenvolver a segurança e a autoconfiança necessárias para enfrentar tais clientes. É preciso ter muita calma ao se deparar com esse perfil.
- O inflamável
Esse perfil de cliente se comporta como gasolina diante do fogo. Ao perceber que não terá sua demanda atendida por alguma exigência técnico-jurídica, incita os demais clientes a julgarem negativamente a prestação de serviço causando certo alvoroço no recinto, feito uma explosão.
- O espertalhão
Quer tirar vantagens e de maneira intencional. Pode usar argumentos que não são verdadeiros para se beneficiar. Pode também usar até de chantagem. Manter registros das fases de um atendimento com esse tipo de cliente pode prevenir problemas futuros.
- O detrator
Teve uma experiência insatisfatória e faz “propaganda negativa” do cartório com o objetivo de afastar novos usuários. Procure entender o motivo da insatisfação, apresente soluções, explique sobre as melhorias que estão em andamento e que deverão melhorar o relacionamento.
Empresas em geral estabelecem nomes diversos aos clientes inoportunos ou abusivos como: clientes tóxicos, inconvenientes, problemáticos, difíceis. No entanto, as particularidades de cada perfil exigirá atendimento específico e muito, muito treinamento, das equipes que atuam no face a face com os clientes. Manter à vista dos usuários o caráter específico dos serviços a serem prestados pode inibir comportamentos inoportunos.
O cliente promotor
Deixamos para o final dois tipos de clientes em que o atendimento ético, segundo as normas e padrões aliado à agilidade, precisão e transparência poderão fazer a diferença no comportamento do cliente.
Em algumas modalidades de atendimento, os clientes estão tão satisfeitos em ver seus problemas, necessidades e expectativas atendidas, que se tornam promotores do cartório, tornando-se seus propagandistas espontâneos, pois suas expectativas foram atendidas e se sentem estimulados a compartilhar sua satisfação com outros clientes.
Em uma conversa informal sobre os diversos perfis de clientes, a oficial substituta do Cartório de Santo Amaro, de São Paulo, capital, Adriana Arantes, especialista no atendimento a clientes da serventia, faz o comentário: “Em relação aos clientes inoportunos, felizmente não são maioria no ambiente das serventias extrajudiciais. Não importa a modalidade do cliente inoportuno; o que importa é que todos buscam acolhimento. Afinal, todos nós gostamos de atenção. Essa parcela de usuários tem o desejo, muitas vezes oculto, de se sobressaírem em suas opiniões e interesses. Daí a necessidade dos atendentes e respectivos gestores estarem atentos aos primeiros sinais da abusividade do cliente, procurando então, atendê-los prontamente, ouvi-los sem interrompê-los, oferecer soluções ágeis às suas demandas”.
Reduzir ou transformar clientes inoportunos ou abusivos em clientes promotores pode ser uma estratégia interessante para conquistar a lealdade dos clientes. “Com sabedoria, profissionalismo, assertividade, capacidade de resposta e fundamentação é possível reverter a temida abusividade”, complementa Adriana Arantes.
O cliente apóstolo
Lauren Wright, professora norte-americana, pioneira do marketing de serviços, vai além do cliente promotor, batizando o cliente de apóstolo, àquele que toda empresa sonha.
O apóstolo gosta de compartilhar seu entusiasmo com outros clientes. Esse perfil de cliente satisfeito tem suas expectativas ultrapassadas, pois estão muito satisfeitos com suas experiências. Criar apóstolos e reduzir os clientes infratores ou encrenqueiros deve ser uma meta fundamental para todo fornecedor de serviços.
Apenas o atendimento excelente, até diante de clientes indiferentes – outro perfil a ser estudado –, tem a capacidade de fazer essa conversão de comportamentos.
Com o tempo, o cliente inoportuno deixa de lado tal comportamento, acreditando na marca do cartório do qual é usuário, tonando-se seu promotor. “Agradeço ao cliente por nos fornecer sua opinião sobre a prestação do serviço, explicando-lhe que isso nos dá a oportunidade do aprimoramento”, comenta Adriana Arantes, demonstrando toda sua experiência no assunto.
A atividade notarial e registral – com suas características de serviços padronizados e de precisão – exige sincronia entre as equipes de atendimento para que não haja o risco da insatisfação do cliente. Funcionários bem treinados diante de tais situações podem reverter situações indesejadas em oportunidades de bem impressionar e provocar aquele “uaaau” do cliente como demonstração de satisfação e surpresa.
Vale sempre lembrar que é diante das adversidades que evoluímos e aprendemos. Quanto mais a marca do seu cartório agradar, maior será a chance de ele ser o queridinho de todos os seus usuários.
Até o nosso próximo encontro.
Publicado originalmente no Jornal do Notário – ANO XXIII – Nº 206
– NOV/DEZ – 2021, pgs. 28 e 29.
Por Gilberto Cavicchioli
É professor de pós-graduação em cursos de Gestão de Negócios, consultor e gestor da empresa Cavicchioli Treinamentos. Realiza cursos e palestras técnicas sobre gestão de pessoas em cartórios extrajudiciais. Autor dos livros O Efeito Jabuticaba, na 4ª edição e Cartórios e Gestão de Pessoas: um desafio autenticado, na 2ª edição. Conheça nosso material sobre gestão em: cavicchiolitreinamentos.com.br